quarta-feira, 24 de novembro de 2010

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO "CABEÇA"


                

O Anão da Sorte

                O personagem que protagoniza o primeiro artigo da série “Histórias e Estórias do Cabeça”, que postarei toda quarta-feira – e que tenciono, posteriormente, transformar em um livro – é o meu “grande” amigo Claudinho. Do alto dos seus 1,09m de altura, é o anão mais alto astral que conheço. Primeiro, foi nosso mascote, no Paraná Clube, nos anos 1991/92. Sempre entrava em campo comigo. E passamos invictos por este período. Nunca, quando entramos juntos nos gramados da época, o Paraná foi derrotado. Claudinho foi “promovido” de mascote a talismã, amuleto. Hoje é Claudinho Castro, ator consagrado, fazendo muito sucesso em Curitiba, especialmente nas peças de humor. “A Gorda e o Anão” é seu mais recente êxito. Mas a passagem que quero narrar ocorreu no Rio de Janeiro, mais precisamente na época em que joguei pelo Fluminense, em 1993.
                No início daquele ano me transferi do Paraná Clube para o Fluminense. O jornalista Josias Lacour, paranista “roxo”, recém havia sido eleito vereador de Curitiba, contando com o trabalho incansável de Claudinho em sua campanha. E prometeu, caso vencesse as eleições, levar o anão ao Rio de Janeiro, para entrar comigo - no Maracanã – no primeiro Fla-Flu em que eu jogasse. Quando Josias me perguntou sobre a possibilidade de se cumprir a promessa, aceitei de pronto, e fiquei muito contente com a notícia. Além de gostar muito do “grande” amigo, ainda tinha a mística do amuleto, do talismã. E isso faz parte da alma do carioca, em especial, no futebol.
                Logo que cheguei ao Tricolor das Laranjeiras, destaquei o fato de nunca ter perdido, como profissional, para o Atlético/PR, rubro-negro, como o maior rival do Flu: o Flamengo.  E que teria vindo para o Rio para dar sequência nesta minha invencibilidade contra rubro-negros. Isso já agitou os comentários dos jornalistas esportivos da época. Ao saber de que contaria ainda com a presença do meu talismã Claudinho, fiz um “marketing” pessoal, ainda a uns vinte dias do clássico. Afirmei a todos os repórteres plantonistas que certamente venceríamos o clássico, porque além de nunca ter perdido para rubro-negros, como profissional, ainda contaria com um “amuleto surpresa”, para o Fla-Flu, mas que só seria revelado no dia e na hora do jogo.  Bastou para despertar a curiosidade de toda a imprensa, ansiosa em saber qual seria o “tal amuleto”. Estava montado o circo: jornalistas flamenguistas ironizavam; jogadores rivais mandavam recados, através da imprensa, que na hora do jogo mostrariam quem era de fato melhor, e que não dependiam e nem acreditavam em amuletos ou superstições; e eu me mantinha firme, tanto na manutenção do segredo como na afirmação da vitória.
                Para complicar um pouco a história, eu sentia uma lesão muscular na coxa, que poderia me afastar do clássico. A ida de Claudinho ao Rio estava ameaçada, talvez ficasse para o segundo turno. Mas na quinta-feira anterior ao jogo, treinei normalmente e fui liberado pelo departamento médico. Na sexta-feira recebi o meu amuleto/mascote, já diretamente na concentração do Fluminense, no Hotel Nacional, praia de São Conrado. A princípio, seria somente uma visita do Claudinho, na concentração, que depois ficaria hospedado, com Josias Lacour, em outro hotel da cidade. Mas a simpatia e energia do “anão” conquistaram nosso técnico – o sério Edinho – e todos os atletas do grupo, que pediram ao nosso comandante que deixasse Claudinho concentrado conosco. E Edinho concordou. A empatia de Claudinho com os jogadores foi tanta que confesso nem sei em qual apartamento ele dormiu nas duas noites que antecederam o jogo. Só sei que no meu apartamento não foi.
                Todos entraram na “onda” de manter a surpresa para o domingo. E assim correram os dois dias de concentração. Os próprios jogadores fazendo os pratos do novo mascote, pois o mesmo não alcançava o buffet, para se servir. Brincadeiras mil com o anão, que ainda ganhou uns trocados na “cacheta” tradicional. E chegou a hora esperada por todos: hora do Fla x Flu.
                Assim que chegamos ao Maracanã e adentramos aos vestiários, tornou-se impossível manter o segredo por mais tempo. Os repórteres/setoristas aguardavam ansiosos pelo “amuleto surpresa”. Apresentei Claudinho a todos, e expliquei nas entrevistas que nunca, quando entramos juntos em algum jogo do Paraná Clube, havíamos perdido. E foram dezenas de jogos. E que este certamente seria mais um. Aí entrou em cena a irreverência e a presença de espírito do “anão”. Entrevistado por todas as rádios cariocas que cobrem o futebol, ele – então com apenas 17 anos de idade – saiu-se muito bem. Com seu alto astral característico conquistou a todos, afirmando que tinha vindo até o Rio para me ajudar a derrotar o Flamengo; que não suportava rubro-negros; que era o amuleto do Serginho, mas que daquele dia em diante, seria o amuleto também do Fluminense; enfim, “tirou de letra”.
                Quando entramos ao gramado do Maracanã - Claudinho mãos dadas comigo – pude sentir sua emoção: mãos suadas e trêmulas. Não é fácil prá ninguém encarar quase 80 mil pessoas naquele instante de êxtase. Mas foi só o tempo de chegarmos ao centro do gramado, cumprimentarmos a torcida, para que o nosso mascote saísse em desabalada corrida, rumo à torcida do Flamengo, para provocá-los com gestos e acenos. Isso gerou duas reações: uma estrondosa vaia da torcida Rubro-Negra e o grito de Claudinho, Claudinho... da torcida do Fluminense, demonstrando que já adotara o “anão” como mascote. Foi incrível.
E começou o jogo. Ao final do primeiro tempo, empate em 0x0. Por volta dos 15 minutos da segunda etapa, não suportando mais as dores na coxa, pedi para sair. Enquanto se providenciava a substituição, aconteceu o pior: gol do Flamengo. Logo em seguida saí de campo, e ao chegar aos vestiários encontro nosso roupeiro Ximbica muito preocupado, ouvido colado no rádio. E Claudinho sentado ao seu lado, chorando copiosamente:
                - Não pode ser, Serginho. “Nós” não podemos perder. Justo hoje.
                Tentei acalmá-lo, dizendo que o jogo não havia acabado, e que restavam ainda mais de 20 minutos. Não adiantou muito e o choro continuava. Fui tomar meu banho pensando em o que fazer, em caso de derrota, para diminuir sua tristeza e frustração pelo insucesso. Foi quando ouvi pelo rádio o grito de gol: Super Ézio – nosso centroavante. Era o empate: 1x1. E todo ensaboado, embaixo d’água, recebi um abraço eufórico do nosso mascote. Ele já estava contentíssimo com este empate - Pelo menos continuamos invictos – mas logo após me vestir, quando faltavam poucos minutos para o final da partida, mais um grito de gol: ... É DO FLUMINENSE!!!  Era a vitória concretizada. Uns quinze segundos após o apito final do árbitro, chega correndo ao vestiário nosso técnico Edinho, pega Claudinho pelos braços e o atira para o alto:
                - Você é pé-quente mesmo, anão...  grita o comandante.
                E vão chegando, uma a um, os atletas, e todos abraçando o “amuleto”. Até o presidente tricolor da época, Dr. Arnaldo Santiago – ex-médico da Seleção Brasileira – comemorou com um grande abraço em Claudinho. O vestiário era uma grande festa. Agora faltavam apenas dois jogos para o título da Taça Guanabara. E o próximo adversário seria o Vasco, também na disputa pelo turno. E pela euforia causada pela presença do novo amuleto. O próprio presidente pediu ao Josias Lacour para que Claudinho ficasse conosco até a partida contra o Vasco. Josias argumentou que seria impossível, pois existiam os compromissos com o trabalho no gabinete, além das aulas regulares. Mas prometeu que em caso de vencermos este turno e existir uma final futura, ele traria o anão para passar todo o período das finais conosco.
                Acabamos vencendo o primeiro turno. E perdemos o segundo. Finais à vista. E Josias cumpriu sua promessa. Teríamos o nosso amuleto conosco, para os dois (ou três, se necessário) jogos finais, contra o Vasco. O primeiro seria realizado na quinta-feira (um feriado). O segundo, no domingo próximo.  Em caso de necessidade, o terceiro seria no outro domingo. Portanto, entre sete e doze dias concentrados. Para este período no Hotel Nacional, Claudinho já constava até da relação dos concentrados. Relacionado no meu apartamento, que contava, não com as duas camas costumeiras, mas sim com uma terceira, para o novo integrante. E foram dias mágicos para ele, certamente.
                Aquela velha contusão na coxa, do primeiro Fla-Flu, durou até dias antes das finais. Tratei o problema com o objetivo de poder estar presente nos jogos decisivos. Voltei na última rodada do segundo turno, onde atuei por uns 15 minutos. E treinei a semana toda, com todo o empenho possível. No apronto da sexta-feira anterior ao primeiro jogo final, Edinho me escalou entre os titulares. Que felicidade! Mais de um mês de fora, e voltaria exatamente na hora decisiva. A uns quinze minutos do final do treino senti novamente a contusão. E não pude ir para o jogo. Momento de muita tristeza, mas... o que fazer? Vamos torcer, de fora pelo sucesso dos companheiros. Claudinho entrou em campo de mãos dadas com o Ézio. E perdemos por 2x0. Perguntado pelos repórteres se o seu “pé tinha esfriado”, o mascote foi taxativo – “Sou amuleto do Serginho. Quando entro com ele não perdemos nunca “- rebateu o anão, triste, mas com firmeza.
                Necessitávamos vencer o segundo jogo, para forçarmos um terceiro e decisivo confronto, onde o Vasco jogaria pelo empate. Para esta segunda partida – três dias depois da primeira – a condição de minha coxa ainda era muito preocupante. Doía muito e limitava alguns movimentos. Porém, o comandante Edinho me pediu que intensificasse mais ainda o tratamento, que trouxéssemos o Takahashi, acupunturista de Curitiba, amigo pessoal, para ajudar na recuperação, e colocar as agulhas nos devidos lugares, antes da partida. Edinho queria que eu entrasse em campo, na condição que fosse.
                Confirmado para iniciar a partida, já comecei a provocar o adversário, dizendo que agora, o “anão da sorte” iria entrar comigo, e venceríamos, sem sombra de dúvida. Assim, entramos no gramado do Maracanã, eu e Claudinho, de mãos dadas, para a segunda batalha, onde só a vitória nos manteria vivos. Após os cumprimentos, o anão repetiu o gesto do primeiro Fla-Flu: correu para a torcida do Vasco, provocando. E levou à loucura os tricolores, que em menor número naquele dia, começaram a saudá-lo e a incentivar o time. Fim do primeiro tempo: Fluminense 2x0 Vasco. Um pouco antes do final do primeiro tempo, pedi para sair, pois não suportava mais as dores na perna. Já havíamos feito a vantagem de dois gols. No final, 2x1. Terceiro jogo garantido. Domingo para nunca mais esquecer. E lá foi Claudinho, para brilhar no “Mesa Redonda”, o mais importante programa esportivo de televisão daquela época, comandado por José Carlos Araújo - o “Garotinho”- Sentado, não nas cadeiras, como de costume, mas em cima da bancada do “Mesa Redonda”, com as pernas balançando para fora da bancada, Claudinho arrancou risos e aplausos de todos os experientes jornalistas esportivos participantes, por sua irreverência e inteligência nas respostas, e ainda provocou o Vereador do Rio, na época, e ídolo vascaíno, Roberto Dinamite, que lhe convidou para trabalhar com ele na Câmara dos Vereadores do Rio e ser mascote do Vasco:
                - Eu vim aqui pro Rio para colocar água no teu chopp, Roberto. Sou funcionário do gabinete do vereador Josias, em Curitiba, e mascote do Serginho, do Paraná Clube, e do Fluminense. E domingo próximo seremos campeões – afirmou confiante o anão, saudado até pelo próprio Dinamite.
                E este sucesso na mídia era só uma mostra do que estaria por vir. O que aconteceu nos dias seguintes foi algo que só poderia ocorrer no Rio de Janeiro. Cidade da irreverência. Terra da descontração. No domingo, após o segundo jogo, pudemos dormir em nossas casas. E Claudinho foi comigo para a Barra da Tijuca, onde morei durante minha passagem pelo Fluminense. Na segunda, saímos, eu, Claudinho, Angela (minha esposa) e meus dois filhos, Guilherme e Mariana. Fomos à praia; almoçamos e passeamos pelo Barra Shopping; fomos ao supermercado. E por onde passávamos, o mesmo reconhecimento – “Olha lá... o anão do Fluminense...” . Na praia, no restaurante, no shopping, no supermercado, o astro era Claudinho. E isso só aumentaria.
Voltamos ao regime de concentração às 17:00 da segunda-feira, para o treinamento em uma academia, na Barra da Tijuca. Massagens e piscina para relaxar, para os que jogaram. Os que não participaram da partida do dia anterior, primeiro fizeram musculação, depois se juntaram a nós, na piscina. Onde se encontrava também o nosso amuleto. A pedido dos repórteres do jornal “O Dia”, foram feitas fotos de todos os jogadores reunidos no centro da piscina, jogando o “Anão da Sorte” – como foi chamada a matéria, no dia seguinte – para cima ou segurando-o, em pé, nos ombros dos atletas. Foi uma “farra”, uma grande tarde. E de lá, voltamos para a concentração. Claudinho, nesse dia, deu entrevistas para todos os jornais, canais de televisão e para todas as rádios. Dia de “pop star”.
Dia seguinte, terça-feira, lá estava o novo astro tricolor: capa do jornal “O Globo”; matéria de página central no jornal “O Dia”, tratando do tema sobre se os anões “trazem sorte”; o Jornal dos Sports (aquele cor-de-rosa), jornal carioca especializado em esportes, principalmente o futebol, trouxe matéria exclusiva sobre Claudinho. E o Globo Esporte, e todos os programas de rádio e TV. Realmente, o anão roubou a cena. E passou a semana concentrado com os jogadores.
Minha coxa estava muito dolorida. Conversei com o Edinho, explicando que não conseguiria me movimentar o necessário, tal a limitação que a dor me impunha. Mas mesmo assim o chefe me escalou. Segundo ele, mesmo que por uns 15 ou 20 minutos. E fui para o jogo. Claudinho entrou comigo, de mãos dadas. E não perdemos. O jogo acabou 0x0, o que deu o título ao Vasco. Continuamos invictos, Claudinho, para sempre.
Um conto de fadas é o que parece esta história. Foram dias inesquecíveis para mim, e creio, para o Claudinho também. Até hoje quando vou ao Rio, alguns torcedores mais fanáticos – e no Rio são muitos – ainda lembram-se do “anão do Fluminense”. Esta experiência vivida pelo meu grande amigo Claudinho certamente ajudou-o a transformar-se no grande ator de hoje. Quem quiser vê-lo e conhecê-lo, é só ficar ligado na programação do Teatro Lala Schneider e nos outros da região da Treze de Maio.

4 comentários:

  1. Boa Serginho, joguei a preliminar do FLAFLU e lembro bem dessa história. Aliás, o Tãozinho esteve em Curitiba esses dias, falamos de você. Abraço

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  2. Já sabia de um pouco dessa história, mas não exatamente assim...
    Muito boa padrinho, muito!

    Continue escrevendo, tá bem legal.

    Beijão,
    Lucas.

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  3. Bem vamos colocar mais uma coisa curiosa nessa História!!!
    Foi a Primeira vez que eu ouvi um CD!! Foi do Jorge Ben - W/Brasil!

    Cabeção!!! Achei maravilhosa a narrativa!!
    Foram bons momentos!
    Foi quando senti a fama pela primeira vez!!!

    Obrigado mesmo

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  4. Excelente!
    Parabens Serginho!
    Abraços Mazur

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