quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO "CABEÇA": A festa da Conquista do Brasileiro de 1992


A FESTA DA CONQUISTA DO BRASILEIRO DE 1992

Na esperança de que se comece hoje uma nova fase na vida do Paraná Clube, com a estréia de meu amigo Ricardo Pinto como técnico do Tricolor, a história contada terá como tema a final do Brasileiro da Série B, em 1992, primeira conquista paranista, em nível nacional. Mas não a história do jogo, que todos já conhecem, mas do pós-jogo. Do apito final até o final da festa, já em Curitiba.
Quando Marcio Resende de Freitas trilou seu apito, em 11/07/1992, noite de sábado, encerrando a partida que decidiu o Campeonato Brasileiro da Série B daquele ano, pudemos gritar: É CAMPEÃO!!! Frente a mais de 100 mil baianos, que lotaram a Fonte Nova, vencemos o Vitória por 1x0, gol de Saulo. Primeira conquista nacional do Tricolor, jovem clube de apenas dois anos de vida, mas que já nascia gigante. Daí em diante foi só festa.
Assim que acabou o jogo, diretores, conselheiros e alguns torcedores que nos acompanharam à Salvador, entraram em campo, para comemorar o feito conosco. Ainda no gramado já apareciam as primeiras garrafas de champagne, para brindar a inédita conquista. Não me recordo qual dos atletas do Vitória que, de tanto insistir, acabou me convencendo em trocar a camisa do jogo com ele. Eu queria guardar aquela camisa, como um troféu pessoal, mas não consegui dizer não àquele entristecido colega de profissão. E vesti a camisa do Vitória. Logo em seguida fomos chamados para receber as medalhas e o troféu. Naquele ano, era eu o capitão da equipe, portanto seria o jogador a receber e levantar o troféu. Ninguém me lembrou que eu estava com a camisa do Vitória, e nem eu mesmo percebi. Resultado: as fotos do recebimento do troféu de campeão de 1992 mostram um jogador com a camisa do Vitória levantando a Taça.
Nos vestiários a festa começou prá valer. Aquele ritual de abraços, sorrisos, champagne, um 12 anos para o chefe Otacílio Gonçalves, baldes de água nos membros da comissão técnica, enfim, uma alegria só.
De lá, retornamos para o hotel. Um merecido jantar, para recuperar as forças. Com a presença do presidente da CBF. Foi aquela algazarra no restaurante do luxuoso hotel, na orla de Salvador, onde ficamos hospedados e concentrados para a decisão. Os outros hóspedes e clientes do restaurante entenderam o tumulto, vendo que a causa era nobre. Esta foi a comemoração entre todos os integrantes da delegação, que durou até por volta de duas horas da madrugada de domingo. Em seguida, ainda teve a comemoração dos atletas, que aconteceu em um barzinho, no bairro da Pituba (próximo ao hotel), por indicação de um dos jogadores que já havia trabalhado na cidade, mas que não me recordo quem. Música, cerveja e casquinha de siri. E muita alegria, pois não é sempre que se comemora um título de campeão brasileiro.
Retornamos ao hotel já próximo da hora de seguir para o aeroporto. Nossa saída estava marcada para as sete horas da manhã. Foi o tempo de um banho, arrumar as coisas, descer para o café da manhã e partir. Mas nada tirava o bom humor e a felicidade de grupo. Mesmo já há quase 24 horas “no ar”, a galera não perdia o pique.
No vôo entre Salvador e São Paulo, o cansaço bateu e dormi. Erro grave, pois o “povo” me sacaneou: pintaram-me, batom, enfim... aquelas coisas de “moleque” mesmo. Mas tudo era válido, pois éramos “os campeões”. E em nosso elenco sempre reinou a alegria e o respeito.
Em São Paulo faríamos a conexão para Curitiba, mas permaneceríamos umas quatro horas em solo. Como já se aproximava a hora do almoço, resolveu-se que almoçaríamos em uma churrascaria, e não no aeroporto. Mais festa.  E enfim embarcamos para o vôo que nos traria a Curitiba.
Um capítulo a parte, nesta história, é a questão do transporte, guarda e apresentação da Taça do título. No vestiário da Fonte Nova quem se prontificou a carregar o troféu até o hotel foi Ney Santos. Mesmo muito jovem, o volante e zagueiro Ney era um dos líderes do grupo. Sempre participativo, já demonstrava personalidade forte ao colocar suas posições ao grupo. Ao ver que ninguém tinha levado a pesada taça para o ônibus, que nos conduziria ao hotel, Ney apanhou-a e nos disse: “Deixa que eu carrego. Levo até Curitiba, se for preciso”. E foi. Do hotel para o aeroporto; no translado, aeroporto-churrascaria-aeroporto, em São Paulo; dentro do avião, enfim, a taça ficou sob os cuidados dele. Quando já estávamos pousados em Curitiba, instantes antes de abrir a porta do avião (naquela época se descia na pista), o então presidente Darci Pianna chamou-me para descer com a Taça, à frente do grupo, pois eu era o capitão da equipe. Não aceitei a proposta e fiz questão que o Ney Santos descesse com a Taça, que carregou desde a Fonte Nova. E mesmo contrariando a direção, foi assim que aconteceu: ao abrir a porta do avião, foi à imagem do Ney que apareceu sorridente, carregando o troféu. Nada mais justo.
E seguimos em carreata, em cima do caminhão do Corpo de Bombeiros, do aeroporto até a Vila Capanema. Por todo trajeto, pela Avenida das Torres, paranistas enlouquecidos nos saudavam, nos dois lados da pista. Dezenas de carros seguiram a carreata em um “buzinaço” sem igual. Ao chegarmos a nosso estádio milhares de torcedores nos esperavam. Inesquecível.
Mais à noite, o clube marcou a festa oficial em uma churrascaria da cidade, onde todos nos reunimos, com nossos familiares presentes, para a comemoração definitiva. Lembro-me que acabei a noite (ou iniciei o dia) na Rua 24 horas, tomando um chopp com alguns companheiros de clube. Certamente, um dos dias mais felizes e inesquecíveis de minha vida.









terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"DIA DE POESIA" Caetano Veloso

Hoje, no "Dia de Poesia", posto uma homenagem a um dos maiores artistas brasileiro: o baiano Caetano Veloso, músico, compositor, cantor, poeta e escritor. Dentre centenas de poemas, por ele musicados, destaco "Livro"  e  "Haiti".


LIVRO
Caetano Veloso

Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.


Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.


Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:


Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.


HAITI
Caetano Veloso

Quando você for convidado pra subir no adro da Fundação Casa de Jorge Amado,
Pra ver do alto a fila de soldados - quase todos pretos - 
Dando porrada na nuca de malandros pretos,  de ladrões mulatos,
E outros quase brancos, tratados como pretos.
Só pra mostrar aos outros quase pretos (e são quase todos pretos),
E aos quase brancos, pobres como pretos,
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos, quase pretos de tão pobres são tratados.
E não importa se olhos do mundo inteiro possam
estar por um momento voltados para o largo,
Onde os escravos eram castigados.
E hoje um batuque, um batuque com a pureza de
meninos uniformizados,
De escola secundária, em dia de parada.
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula.
Não importa nada,
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon.
Ninguém, ninguém é cidadão.
Se você for ver a festa do Pelô, e se você não for...
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

E na TV, se você vir um deputado em pânico mal dissimulado,
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo,
Qualquer plano de educação que pareça fácil, que pareça fácil e rápido,
E vá representar uma ameaça de democratização do ensino de primeiro grau.
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital,
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal.
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual,
Notar um homem mijando, na esquina da rua, 
Sobre um saco brilhante de lixo do Leblon. 
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina...
111 presos indefesos, mas presos,
São quase todos pretos, ou quase pretos,
Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres.
E pobres são como podres.
E todos sabem como se tratam os pretos.
E quando você for dar uma volta no Caribe,
E quando for trepar sem camisinha,
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba...
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

SEGUNDA É DIA DE ESPORTE: Coxa Campeão!!! Paraná perde mais uma


O TÍTULO ANUNCIADO

E nem parecia Atletiba. Até os 30 minutos do primeiro tempo foi jogo de um time só. O Coxa, neste período, fez uma exibição brilhante, anulando completamente o rival, que passivamente assistia o desfile alviverde. O duelo tão esperado no meio-campo era desigual: de um lado, Leandro Donizetti, Léo Gago, Rafinha, Marcos Aurélio e Davi, movimentavam-se constantemente pelo gramado, trocando passes e confundindo os marcadores rubro-negros; do outro lado, Vitor, Fransérgio, Paulo Baier e Mádson, não viam a cor da bola, não conseguindo marcar os adversários e muito menos construir jogadas de ataque. Bill, Jonas e Davi fizeram os gols: 3x0, fora o baile.
Após a primeira meia hora, o Coritiba voltou a cometer o mesmo erro de outras partidas, ao desacelerar o jogo, e permitir que o adversário, até então dominado pela sua velocidade e movimentação, possa reagir e começar a levar perigo. Sei que é difícil se manter o ritmo forte durante 45 minutos, mas creio ser possível se poupar, em determinados momentos, sem se tornar tão frágil. Como castigo a esta postura (a bola pune, como dizia mestre Geraldino) alviverde, o Atlético diminuiu, com Nieto, de cabeça, nos últimos instantes da primeira etapa. E ainda fez o segundo, aos três minutos, através do mesmo Nieto, novamente de cabeça.
O que chegou a aparentar uma goleada tornou-se uma batalha. O Atlético, mais na base da emoção que da técnica, partiu em busca do empate. E o Coxa parecia indeciso em segurar o 3x2 ou tentar retomar o que de muito bom havia feito no início do clássico. E a bola que poderia ter mudado a história do clássico apareceu. Falta frontal à meta alviverde, dentro da meia lua. Para a execução, Paulo Baier. Creio que quase todos os presentes no Couto Pereira prenderam a respiração naqueles segundos, que pareceram uma eternidade: os atleticanos, certos de que seu maestro empataria a partida; os coxas, secando Paulo Baier. E Baier mandou a bola lá na Igreja. Irreconhecível ontem, o melhor jogador e artilheiro do campeonato, até aqui. Pouco, ou quase nada, fez de construtivo para o Furacão.
Um pouco mais adiante, Davi faria o quarto gol e definiria o placar. E ainda teve a ajudazinha do Guerrón - que acabara de entrar em campo – expulso por agressão. No final das contas, o resultado foi justo, pois premiou o melhor time do turno. Ataque mais positivo, com 25 gols feitos; defesa menos vazada (ao lado do Arapongas), com sete gols sofridos. E sete pontos à frente do segundo colocado, neste momento, o Operário, de Ponta Grossa. A ressaltar, o goleiro Silvio, do Furacão, que andou fazendo uns milagres, no final da partida, evitando o que poderia ter se tornado uma goleada histórica. Parabéns ao Coritiba, campeão, com todos os méritos.

TRICOLOR: UMA TRISTE REGULARIDADE

Em Arapongas, na tarde de ontem, o Paraná Clube voltou a perder. E voltou a tomar gol logo de cara. E voltou a jogar muito mal. E voltou a falhar individualmente, com o volante Serginho, cometendo um pênalti infantil, logo aos oito minutos do primeiro tempo. Enfim, o Tricolor mantém-se regular. Mas é uma regularidade sofrida, doída, de fazer chorar.
Poucas vezes se viu uma equipe da Capital tão frágil como o Paraná de hoje. Defende mal, pois comete muitos erros bobos (e já foram vários, neste turno) que quase sempre resultam em gols dos adversários. Não tem criatividade em sua meia cancha, pois não mostrou nenhum meia com esta característica, até agora. Ontem, o incumbido de armar a equipe era Douglas Packer, que decepcionou. O “prata-da-casa” Bruninho está de volta, pode ser a solução. E no ataque, falta o jogador de presença, aquele camarada que intimida o defensor adversário e leva preocupação aos zagueiros contrários. O Paraná só tem jogadores de condução de bola e velocidade, como o talentoso Kelvin. Pouco para quem sonha em chegar a Série A do Brasileirão, ainda neste ano.
Urge se definir o comando técnico, pois mesmo com a melhora trazida pelo interino Ageu, é necessário que o grupo encontre em seu comandante a força e personalidade perdida nestas dez primeiras partidas. E isto só é possível com um treinador definitivo. Espero que Ricardo Pinto (que comenta-se ser o escolhido) possa passar, ao elenco atual, a segurança necessária par se jogar um bom futebol. E que venham reforços, mas de boa qualidade. Até agora, os que chegaram acrescentaram quase nada ao grupo. O Tricolor precisa de pelo menos quatro bons jogadores, para comandar a “molecada” em campo e serem as referências técnicas do elenco.
Acorda, Tricolor. Ainda há tempo.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO "CABEÇA": O primeiro Atletiba a gente nunca esquece


O PRIMEIRO ATLETIBA A GENTE NUNCA ESQUECE


       Domingo tem Atletiba, no Couto Pereira. O primeiro de 2011. Em homenagem a um dos maiores clássicos do futebol brasileiro, o “Histórias e Estórias do Cabeça” fala sobre um deles, que aconteceu em 01/05/1989, minha estréia com a camisa alviverde.
                O Coritiba, para minha alegria, havia adquirido meu passe junto ao Grêmio, de Porto Alegre. Apresentei-me ao clube em 15/04/89, me juntando a um grupo fantástico de atletas, muitos deles já companheiros de outros clubes, como o lateral Dionísio e o goleiro Toinho. O treinador, na época, era Edu Coimbra (irmão de Zico). Após duas semanas de trabalho forte, para recuperar a condição física e me entrosar com os companheiros, chegou o dia da estréia. E seria em um Atletiba.
                 A equipe titular, naquele momento, do meio para frente, era: Marildo, Osvaldo, Carlos Alberto Dias e Tostão; Chicão e Kazu (Sérgio Luis). A dúvida de todos era em que posição eu poderia ser escalado. Na semana do clássico, Edu Coimbra chamou Osvaldo e eu, para uma conversa em sua sala, quando expôs a idéia de usar-nos como os dois meias mais recuados da equipe. Osvaldo seria o primeiro e eu o segundo volante. Com Carlos Alberto Dias e Tostão mais à frente. Argumentei que, mesmo não sendo minha posição original, via com bons olhos aquele formato, e que poderia contar com meu esforço para adaptar tal esquema. Osvaldo também concordou, dizendo que somente precisaríamos de um tempo para o entrosamento naquela maneira de atuar. Estava selado o destino da formação do mais qualificado meio-campo em que joguei.
                Edu nos disse que iria treinar esta formação uma vez, na semana que antecedia o clássico, em um treino fechado. Mas nos alertou que, por ser Atletiba, não iria iniciar o jogo daquela forma. Eu começaria no banco, já que era a minha primeira partida pelo clube, e que na segunda etapa, ele me colocaria nesta função, o que certamente surpreenderia o adversário. E fomos para os treinamentos da semana, e fizemos um “coletivo” com a formação idealizada pelo nosso técnico. Mesmo com alguns problemas de posicionamento na marcação, o resultado foi satisfatório.
                Na equipe do Atlético, daquele ano, jogava o fantástico meia Marquinhos Benatto, meu ex-companheiro de Pinheiros, amigo, compadre, irmão. Nos dias que antecederam o Atletiba nos encontramos com freqüência, pois morávamos no mesmo bairro (Bacacheri). E nas “provocações” de costume, apostamos o churrasco que aconteceria depois da partida, na casa da minha sogra, onde comemoraríamos o meu retorno à Curitiba e a estréia no Coxa. Quem perdesse pagava a conta. Ele, curioso, queria saber se eu entraria de início, ou ficaria no banco. Desconversei, dizendo mil coisas erradas, em forma de brincadeira.
                E chegou o 1º de Maio, dia do Atletiba. Primeiro tempo todo do Atlético, que dominava o jogo, mas o placar ficou em 0x0. Edu escalou a equipe do Coritiba de forma muito ofensiva, com Osvaldo, Carlos Alberto Dias e Tostão, no meio; Sergio Luis, Chicão e Kazu, no ataque. No intervalo, nosso técnico me disse para me manter aquecido, que aos 15 minutos da segunda etapa eu entraria no jogo. A partida recomeçou e o domínio do rubro-negro aumentou. Por volta dos 10 minutos, o Atlético fez 1x0. E mandava na partida.
                Lá pelos 15 minutos Edu me mandou acelerar o aquecimento, deu-me as orientações já previamente treinadas, e me mandou à luta. Com o coração aos pulos, ouvindo a torcida gritar meu nome, me posicionei para entrar em campo, na lateral do gramado, bem ao lado do Marquinhos Benatto. Em tom de brincadeira, ele sorriu e disse que já sentia o gosto do churrasco da aposta. Retruquei que ainda era cedo, que eu estava entrando para mudar as coisas. Eram passados 20 minutos do segundo tempo. E o que aconteceu foi surpreendente. Viramos o jogo, com gols do zagueiro Berg, aos 23 minutos; e de Tostão, aos 24. Eu havia tocado apenas uma vez na bola e em quatro minutos após entrar no gramado, já vencíamos por 2x1. A torcida enlouqueceu nas arquibancadas. Os atletas do Atlético se enervaram com a situação e minutos depois tiveram um atleta expulso. Daí em diante, foi só tocar a bola e deixar o tempo passar. Fim de jogo. Ganhei o churrasco e a aposta. E nascia um time que certamente foi um dos melhores da história do Coritiba. Ao lado de companheiros excepcionais, na bola e na vida, ganhamos aquele campeonato e pudemos viver momentos mágicos e inesquecíveis, que estarão guardados, para sempre em nossos corações.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"DIA DE POESIA" Chico Buarque de Hollanda


Hoje, no “Dia de Poesia”, uma singela homenagem a um dos maiores artistas brasileiros: Chico Buarque de Hollanda. Poeta, músico e compositor de rara sensibilidade, há mais de 40 anos nos presenteia com obras primas, como Cálice e Geni e o Zeppellin.

CÁLICE
Chico Buarque

Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangu
e

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Me embriagar até que alguém me esqueça
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue


GENI E O ZEPELLIN
Chico Buarque

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni


Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir


Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni


Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni


Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni