quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO "CABEÇA"


QUANDO O TREINADOR É LITERALMENTE UM “ASTRO”

                Em 1996 fui contratado pelo Londrina para a disputa do Campeonato Paranaense. O folclórico presidente Marcelo Caldarelli decidiu montar uma boa equipe no “Tubarão”, que contava com o goleiro Gilmar, ídolo da torcida atleticana; Marquinhos Ferreira, meu companheiro de “meiúca” no Paraná Clube de 1990/91/92; Marcio Alcântara, zagueiro revelado em Londrina, com boas passagens por grandes clubes, como o Palmeiras; Aléssio e João Neves, ambos ídolos da torcida local. Enfim, era um elenco de respeito, em se tratando de um clube do interior.
                O projeto de Caldarelli era ambicioso, principalmente em termos de marketing. Para o cargo de treinador da equipe ele trouxe Nuno Leal Maia. É aquele mesmo... ator da Rede Globo de televisão. E como auxiliar-técnico Romeu Evaristo, também ator global (o inesquecível primeiro Saci-Pererê, do Sítio do Pica-Pau Amarelo).  Parece brincadeira, mas não é. E Nuno ainda trouxe outro auxiliar-técnico, o Severo, este sim do ramo, que havia trabalhado com ele na Paraíba, se não me falha a memória, no Botafogo de lá. Ex-atleta profissional, Severo era o único com uma mínima noção da rotina de um clube de futebol.
                A torcida feminina da região enlouqueceu. Nos treinos e jogos era sempre a mesma estória: a mulherada, em grande número, atrás de fotos e autógrafos do nosso treinador, que atendia a todas sempre com simpatia. Para completar as ações de marketing, o presidente Caldarelli ainda foi inovador em introduzir as “cheerleaders” - aquelas modelos, todas lindas, com pompons e saias bem curtinhas, que ficam fazendo coreografias antes e nos intervalos dos jogos. E ainda faziam o trabalho de “gandulas” durante as partidas. Pronto, atendido também o público masculino, que vibrava com a beleza e graça das “torcedoras-gandulas”.
                Nuno, nas semanas em que havia jogos somente aos sábados ou domingos, retornava do Rio de Janeiro (das gravações da novela da época) apenas na quinta-feira, para comandar o coletivo-apronto da sexta e trabalhar no jogo. Durante os outros dias era Severo quem dirigia os treinos, com auxílio de Romeu Evaristo. E nas semanas em que havia jogo também na quarta-feira, Nuno se apresentava direto para a partida, e daí permanecia conosco até o final de semana seguinte. Soa meio absurdo, mas funcionava.
                Dentro de campo, quem organizava taticamente a equipe eram os próprios jogadores: Gilmar e Marcio Alcântara acertavam a defesa, enquanto eu e Marquinhos Ferreira ajustávamos a parte ofensiva. A escalação que definia era o Nuno e o Severo, que até esboçavam uma maneira para a equipe atuar, porém ambos respeitavam as “sugestões” dadas pelos acima citados.  E desta forma disputamos os dois turnos classificatórios com êxito: segundo colocado em ambos os turnos.
                Quero registrar duas passagens marcantes deste período. A primeira diz respeito aos treinamentos físicos. O preparador físico da época era o Prof. Venturini, profissional capacitado e muito competente, que tinha (e deve ter até hoje) uma conduta muito séria, exigindo bastante dos seus comandados, como é de fato necessário. Durante a pré-temporada, por várias vezes, o nosso técnico Nuno solicitava ao Venturini que separasse alguns atletas do treinamento físico, em geral Axecutado em um parque da cidade, e os enviasse ao hotel em que ele morava. Na relação sempre constavam: eu, Márcio Alcântara, João Neves, Marquinhos Ferreira, entre outros que eventualmente também participavam. Eram os mais “velhinhos”, como dizia Nuno.  A justificativa era que ele próprio ministraria trabalhos de yoga com este grupo. De fato, era que Nuno não gostava muito dos treinos físicos puxados e exaustivos, pois achava que poderiam lesionar alguns dos seus principais atletas, o que na verdade era um erro, pois alguns atletas (principalmente eu, João Neves e Márcio) necessitavam emagrecer, pois se encontravam com o peso um pouco acima do normal. Mas lá íamos nós ao hotel para as sessões de yoga, que consistiam em vários tipos de alongamentos intercalados com mergulhos na piscina. Venturini ficava furioso, mas respeitava as ordens do “chefe”. E nós cumpríamos a nossa agenda. Manda quem pode.
                A segunda passagem ocorreu em uma partida, do primeiro turno, contra o Paraná Clube, numa quarta-feira, em Curitiba. Era um jogo decisivo para as nossas pretensões no turno. Liderávamos naquela altura e um empate já seria de bom tamanho. Pela importância da partida Nuno se apresentaria na concentração, vindo do Rio de Janeiro, já na noite de terça-feira. Entretanto as chuvas torrenciais que caíram no Rio desde a segunda-feira daquela semana isolaram a zona oeste da cidade, onde fica o PROJAC, local das gravações da Rede Globo. Ninguém conseguia chegar ou sair deste lado da cidade, pois ruas, estradas e túneis estavam completamente alagados, impedindo o deslocamento. Nuno somente chegou ao hotel onde estávamos concentrados por volta das seis horas da tarde, da quarta-feira, dia do jogo. Havíamos acabado de jantar e antes de seguir para o estádio, as seis e quinze, aconteceria a preleção. Seguimos à sala de reunião, para ouvirmos as palavras do nosso treinador, que acabara de chegar. Ao entrar para a palestra, Nuno estava visivelmente cansado. Barba por fazer; calça jeans aparentando necessitar de uma lavanderia; camiseta branca, daquelas básicas, tipo Hering, meio suja, toda amarrotada, enfim, um “lixo” completo. E começou a falar:
                - Daí, rapaziada... tudo bem? Vocês não imaginam o caos que está no Rio. Estou desde ontem no PROJAC, sem poder voltar prá casa. Alagou estrada, alagou o túnel da Barra, enfim, fechou tudo. Dormimos por lá mesmo, nos sofás, pelo chão onde dava. Brincadeira!!! Estou morto de cansado. Mas vamos lá... jogo importante hoje... a equipe que vai começar será: Gilmar,...  – e nos passou a escalação toda – já me disseram que o treino de ontem foi bom...
                Uma pausa de segundos, e Nuno que estava sentado, levantou-se:
                - Olha... moçada... eu to morrendo de fome e cansado... vou comer alguma coisinha e tomar um banho rapidinho para ir pro estádio... vocês sabem o que tem que fazer... conversem aí entre vocês e boa sorte!!!
                E saiu da sala de reuniões. Explodimos em risos. Inusitado mas sincero. Fizemos a nossa reunião (como faríamos de qualquer maneira), ajustamos a forma de jogar. Fomos à Vila Capanema (estádio do Paraná Clube) e arrancamos um 1x1 suado. Com o Nuno de banho tomado, bem vestido, fazendo sucesso com as mulheres paranistas.
                Foram dias inesquecíveis. Viver em uma linda cidade como Londrina. Conviver com o Nuno Leal Maia, pessoa fantástica, simples, humilde, bem distante do que se imagina de um “astro global”. Conviver com o Romeu Evaristo, sempre de sorriso aberto e alegria contagiante. Um verdadeiro “gente boa”.
                E só para registrar. Ao classificarmos para o hexagonal final, o presidente Caldarelli decidiu, contra a vontade dos atletas, trocar o Nuno por um treinador mais experiente, pois achava que assim poderíamos melhorar ainda mais. E veio Urubatão, com seus gritos. Mudou da água para o vinho. Perdemos quase todos os jogos desta fase.
                A história dos “bichos” pagos em “bois” fica para outro dia. Até mais.

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