quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DO CABEÇA"


A MELHOR (E MAIS CURTA) PRELEÇÃO DA MINHA VIDA DE ATLETA

                Começo explicando – para os que desconhecem – o que seria uma preleção: é a palestra feita pelos técnicos, no momento que antecede as partidas, onde são colocados os detalhes a serem executados pelos atletas em campo. Em geral, tudo já foi dito e executado durante os treinamentos, mas convencionou-se necessária e tornou-se hábito e rotina, nas equipes de futebol. Alguns treinadores são mais breves, fazendo as preleções em 20 minutos, em média. Outros em uma hora ou mais. Como tudo na vida, acredito que existam boas e não tão boas assim, independente de sua duração.
                A história de hoje relembra a preleção feita por Otacílio Gonçalves, em 1992, então técnico do Paraná Clube, nos momentos anteriores à partida final do Brasileirão da Série B, contra o Vitória da Bahia. Para melhor ilustrar, quero falar primeiro de alguns detalhes desta batalha.
                Na época, a final era disputada em dois jogos (não se utilizava ainda o atual o sistema de pontos corridos). No primeiro, aqui em Curitiba, vencemos por 2x1, com grande dificuldade. Mesmo depois de um bom primeiro tempo, onde abrimos 2x0, tomamos um “sufoco” enorme na segunda etapa, onde o Vitória fez o seu gol, e por pouco não empatou a partida. Este desempenho deu aos baianos a convicção de que no jogo de volta, em Salvador, com mais de 90 mil pessoas apoiando, eles conseguiriam a vitória (por qualquer placar, pois tinham a vantagem em caso de igualdade no saldo de gols) que lhes daria o título.
                Ao chegar a Salvador, no dia anterior a partida, pudemos sentir o que nos esperava. A cidade estava vestida de vermelho e preto (cores do Vitória) e existia uma onda de otimismo entre seus fanáticos torcedores. No aeroporto, no hotel, enfim, em todos os lugares, tivemos que suportar gozações sobre a final. Todos nos colocavam como perdedores e que seríamos massacrados na Fonte Nova. Na televisão local, durante a programação do dia inteiro, em cada intervalo comercial, entrava uma mensagem de apoio ao Vitória: entrevistas com torcedores, dirigentes, atletas do elenco e velhos ídolos, todos convocando a torcida para lotar o estádio e empurrar o Vitória a um inédito título nacional. Seu maior rival, o Bahia, havia sido campeão brasileiro três anos antes, portanto os rubro-negros esperavam ansiosamente por esta conquista. O clima era todo favorável ao nosso adversário, porém nós estávamos concentrados em nosso objetivo. Havíamos feito uma grande campanha até a final, com apenas uma derrota. Porém confesso que a ansiedade era grande.
E chegou a hora de deixarmos o hotel e seguirmos para o estádio. Antes, a preleção do nosso técnico Otacílio. Chegamos à sala de reuniões já previamente preparada e nos sentamos em frente ao técnico. Ao seu lado uma mesa; do outro lado, um quadro branco, totalmente em branco. Enquanto as últimas conversas aconteciam entre nós, atletas, Otacílio terminou seu costumeiro cigarro e levantou-se para dar início a palestra. E o que ele nos disse jamais sairá de minha memória. Tentarei reproduzir:
- E aí, moçada... todos bem? Vocês viram na TV...? vai ter mais de 100 mil pessoas no estádio... os “caras” vem forte – um instante de silêncio...
- Mas, me diga aí, Cabeção (era como todos me chamavam, na época), você acha que estes 100 mil vão dar mais energia prá eles do que prá você, lembrar do Gui (meu filho Guilherme, então com três anos de idade), lá em Curitiba, desde agora, a três horas do jogo, já todo “fardadinho” (é como os gaúchos dizem “uniformizados”), esperando ver o papai campeão...
- E prá você, Adoílson... lembrar do Laio (me perdoe, amigo e ídolo Adoílson se esta não é a grafia correta do nome do teu filho, na época bebê de colo ainda), no colo da mãe... todo de tricolor... Já pensou... daqui uns anos ele vai contar pros amiguinhos, todo orgulhoso,  que o pai foi campeão brasileiro quando ele nasceu...
- E prá você, João Antonio... lembra do bebê na barriga da sua mulher... que já vai nascer campeão brasileiro...
- 100 mil pessoas podem ser mais forte que isso? Acho que não...  Pois vocês merecem tudo isto que vão conquistar, daqui a pouco...
- E para finalizar: Muito obrigado por me terem feito, mais uma vez, Campeão Brasileiro... Vamos embora...
Ao final destes pouco mais de 60 segundos - tempo que durou a preleção – o destino da decisão estava selado. Nem um milhão de baianos nos tiraria aquele título depois desta injeção nos dada por nosso grande mestre Otacílio. Lembro de alguns atletas aplaudindo, outros gritando, outros com lágrimas nos olhos (como eu, naquele momento e agora ao relembrar e escrever esta história), mas todos convictos da vitória. E fomos para a Fonte Nova.
Enfrentamos os brutamontes-seguranças nos empurrando e xingando ao entrar em campo; o grito de mais de 100 mil baianos enlouquecidos nas arquibancadas, tentando empurrar o Vitória ao título; e a excelente equipe adversária. E vencemos por 1x0, gol do Saulo. Título de todo o grupo. Mas em especial, do grande comandante Otacílio Gonçalves.
                 

6 comentários:

  1. Show de bola!
    Parabéns, cabeção. Saudades da época que o Paraná era gigante.

    ResponderExcluir
  2. oi, serginho. Escreve aí os bastidores de como era seu trabalho no Londrina, na época que o Nuno Leal Maia era o treinador, mas quem treinava de verdade era você, o Gilmar (goleiro) e o Tatinha da paiquere. hehe abçs

    ResponderExcluir
  3. Emocionante....tocante.... época em que quem tinha medo era quem enfrentava o Tricolor...

    ResponderExcluir
  4. só fez aumentar a minha admiração pelo chapinha , o mais tricolor de todos os que treinaram meu paranito...saudades dos velhos tempos.

    ResponderExcluir
  5. Que saudades deste época fantástica do tricolor , com jogadores altamente profissionais dando tudo por esta e outras conquistas.

    ResponderExcluir
  6. aquele foi o melhor Paraná de todos os tempos

    ResponderExcluir